“Itajaí em Minutos” resgata a história da cidade para um público mais jovem
Quem acompanha as novidades de Itajaí no Instagram deve ter percebido que o professor, historiador e ex-secretário de educação Edison D’Ávila tem feito vídeos sobre fatos que marcaram a história da cidade. As postagens no perfil @prof.edisondavila fazem parte do projeto “Itajaí em Minutos”, idealizado pela filha Maria Fernanda, que é pedagoga e produtora cultural.
“O Itajaí em Minutos" é um fragmento de um projeto maior, que tem como objetivo difundir a história de Itajaí. Nele, meu pai fala de temas relevantes da história em referência ao livro ‘A pequena história de Itajaí’, publicado na década de 80 e atualizado em 2018”, conta.
O projeto é organizado em episódios e, em homenagem ao aniversário da cidade, em junho são 15 episódios de cerca de três minutos. “Como o livro - que tem 26 capítulos - é dividido de forma muito didática, fica fácil para o leitor acessar esse conhecimento”, explica.
Maria Fernanda conta que a ideia surgiu nas refeições em família, quando ouvia o pai contar casos e situações vividas como menino ou como gestor que participou ativamente da história ao longo de quase 80 anos. “Tem muito dessa coisa ancestral, da roda de conversa, de ouvir a pessoa mais velha. A gente sempre quis registrar esses momentos e compartilhar com amigos, pesquisadores e todos que desejam conhecer mais sobre Itajaí”.
A mídia escolhida para esta missão foi o Instagram pelo grande alcance, não somente em Itajaí, mas para além de nossas fronteiras. A pedagoga explica que o objetivo do projeto não é uma busca incessante por engajamento nas redes sociais. “Não é a nossa preocupação ficar engajados nesse mundo frenético da internet, nosso sonho é que esse conhecimento chegue aos alunos da rede pública e particular, para que eles possam conhecer mais sobre suas origens ou sobre a cidade que sua família escolheu para morar”, destaca.
Até então, o historiador Edison D’Ávila só utilizava o computador para fazer pesquisas e enviar e-mails, e o celular para se comunicar pelo WhatsApp. “Eu não tenho muita desenvoltura com essas mídias, mas apesar de ter escrito livros e de escrever para o jornal DIARINHO, surgiu a necessidade de ampliar a divulgação de temas relacionados à história e à cultura”, justifica. A intenção não é fazer algo tecnicamente muito elaborado, mas como se fosse um bate-papo informal. “E a aceitação tem sido muito boa”, comemora.
“O personagem mais interessante é Agostinho Alves Ramos. Ele chegou a Itajaí em 1820 como comerciante e se estabeleceu aqui. Foi deputado provincial e condecorado pelo imperador Dom Pedro II. Essa figura ainda não foi biografada.”
DIARINHO – A data de fundação de Itajaí é 1860, mas o senhor defende que o município tem 200 anos. Por quê?
Edison: Na verdade, o evento que se comemora em 15 de junho é de 1860, quando o município foi instalado. Um ano antes, os vereadores tomaram posse e o município foi instalado em 1860. Na época era Império, a gerência do município era feita pela câmara municipal, ainda não tinha a figura do prefeito, do poder executivo. Mas nós temos documentos que comprovam, em 1824, quando da criação do curato, a futura paróquia, a formação de um aglomerado urbano em volta da capela. E diferente de Blumenau, Itajaí não teve a iniciativa de alguém ou de um grupo para fundar uma vila. Já havia moradores dispersos nas margens do rio Itajaí-açu e a construção da capela foi o elemento aglutinador. Logo depois se estabeleceram os comerciantes, que faziam comércio através do rio, o porto foi se formando, e esses moradores formaram o primeiro núcleo da cidade. Tem correntes que propõem datas como a criação do curato, a data de solicitação da criação do curato, mas para não gerar dúvidas, os vereadores estabeleceram a data de instalação do município.
DIARINHO - Como o senhor se tornou um profundo conhecedor da história de nossa região? O menino Edison já tinha curiosidade sobre a formação de Itajaí?
Edison: Engraçado falar do menino Edi, como eu era chamado na família. Eu sempre fui um rapaz muito atento, que gostava de ouvir o que minha família contava sobre as pessoas da cidade. Eles cultuavam muito a memória, meus avós e avôs, tios e tias eram extremamente memorialistas. E quando a gente se reunia, sempre eram contadas muitas histórias. Eles viviam a cultura popular, histórias de bruxas, lobisomens, benzedeiras, aquilo me encantava. Essa história oral veio da família. Os D’Ávila vieram da Ilha dos Açores, naquela grande migração de açorianos na segunda metade do século 18. Primeiro eles se estabeleceram em Florianópolis, depois um pouco foi para o norte, um pouco foi para o sul, até no Rio Grande tem a família D’Ávila. Aqui, em Itajaí, chegaram em 1850 e se estabeleceram no bairro Fazenda. Meus avós gostavam muito de boi-de-mamão, pau-de-fita, quadrilha, caldo de peixe, canjica, rosca, beiju. Minha avó era a matriarca que comandava a família. Na família do meu pai eram as mulheres que se destacavam. E a mulher é mais memorialista do que o homem.
DIARINHO - A sua formação é em Letras, por que se especializou na área de História?
Edison: Quando eu fui fazer o científico (atual ensino médio), meu pai sugeriu que eu fizesse faculdade. Eu pensava em Direito, mas ele era portuário e não tinha como garantir o estudo fora daqui. Cheguei a ir a Curitiba, mas nesse meio tempo surgiram as primeiras faculdades de Itajaí. Fiz Letras porque gosto de literatura e fui por décadas professor de Língua Portuguesa. Quando comecei a escrever, me interessei pela História. Em 1971, meu primeiro artigo foi sobre a história da Vila Operária, onde eu nasci e morava. Eu levei para o Jornal do Povo, cujo fundador era um intelectual, jornalista e homem público, o Abdon Fóes. Cheguei lá com meu artigo datilografado e ele topou publicar e disse para eu fazer mais. Quando eu fiz uma especialização em Educação, fui convidado pela Fepevi (atual Univali) para ser professor. Eu sou da primeira turma de formandos de ensino superior de Itajaí. Mas o diretor me falou que eu não iria lecionar no curso de Letras, e sim direcionado à História porque tudo que ele tinha lido de minha autoria era sobre História. Porém, para atuar na área, eu pensei que precisava de instrumentos técnicos. Daí fiz mestrado em História, na UFSC.
DIARINHO – Muita gente lembra do senhor como secretário de educação; como foi parar na política?
Edison: Eu comecei a trabalhar como professor de escola pública estadual. Cheguei a ser diretor do colégio Nilton Kucker e ali conheci várias pessoas. Quando teve eleição municipal, foi eleito um antigo colega de ginásio que tinha me reencontrado durante a campanha, o Amílcar Gazaniga. Ele me convidou para ser secretário de educação, eu tinha 29 anos. A partir daí, eu me tornei muito conhecido, me filiei a um partido e me elegi vereador. Devo confessar que gosto de política, assim como tem gente que gosta de chimarrão, pinga, dominó, eu gosto de política. Depois se elegeu outro amigo fraterno, o Jandir Bellini, que foi prefeito durante 16 anos e sempre me convidando a participar do governo.
DIARINHO – O senhor tem 17 livros publicados, qual deles mais o surpreendeu? E como é o seu processo de pesquisa?
Edison: Quando eu comecei a escrever os livros não tinha as técnicas do fazer histórico. Depois que fiz mestrado comecei a escrever diferente. Em 1982, eu publiquei “Uma pequena história de Itajaí”. Achei que faltava um livro que fizesse um compilado de histórias, mas eu ainda era iniciante. Deu um livrinho de cento e poucas páginas. Surpreendentemente, o livro agradou. Foi muito usado em escolas, concursos, logo a edição se esgotou e vieram atrás de mim para publicar outra edição. Mas para publicar de novo eu deveria fazer algumas revisões e aquilo demorou porque eu era professor, trabalhava na prefeitura, era aquela correria. Quando eu me aposentei, decidi mexer com essa história. E aí juntei tudo que tinha reunido, fiz um projeto pela lei de incentivo e aí me surpreendi com a riqueza do material. As possibilidades de interpretação, as novas relações entre uma coisa e outra, e percebi que eu tinha que escrever de outro modo. A segunda edição saiu em 2018. Eu queria fazer numa linguagem para a pessoa comum. Capítulos que pudessem ser lidos de forma independente. Quando eu terminei, levei para o meu editor que se espantou: “Mas, professor, isso vai dar 400 páginas, o nome não é ‘A pequena história de Itajaí?!’”. Eu não podia mudar o nome do projeto, então ficou uma pequena história de 400 páginas. A pesquisa documental é a base dos meus trabalhos. Em arquivos físicos e também arquivos on-line. Graças à tecnologia, hoje você pode acessar documentos da Biblioteca Nacional, do Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro, inclusive internacionais, como Portugal; antes a gente tinha que ir até lá. Depois faço muita entrevista também, gosto muito da história oral.
DIARINHO – Como o senhor escolhe os temas de seus livros?
Edison: Para mim é como namorar. Entre várias garotas, uma te cativa. Algumas coisas surgem pela oportunidade, pela data. Sobre a Revolução Federalista de 1893, em Itajaí, que foi muito violenta, fiz um livro quando o evento completou 100 anos. Em outras ocasiões me encantei pela história. Eu escrevi sobre as memórias de um líder federalista, que era o pároco da cidade, João Rodrigues de Almeida, que acabou se envolvendo com política. Primeiro ele se estabeleceu em Penha, depois foi transferido para cá. Ele era vigário daqui e da Vila de Camboriú. Achei interessante a forma como escreveu sobre as turbulências daquele momento difícil. E por que ficou do lado dos vencidos. Ele conta toda a perseguição que sofreu.
DIARINHO - Qual o personagem histórico mais interessante de Itajaí?
Edison: O personagem mais interessante é Agostinho Alves Ramos. Ele chegou a Itajaí em 1820 como comerciante e se estabeleceu aqui. Ele percebeu as potencialidades econômicas e sociais da região: trabalhou pelo curato, pelo município, na exportação de madeira. E trouxe o porto da Barra do Rio para a praça Vidal Ramos. Ele foi deputado provincial, foi condecorado pelo imperador Dom Pedro II. Quem o conheceu dizia que nada se fazia sem ele. Ele era um homem muito rico, mas não teve filhos e a esposa morreu. Quando teve um AVC, mas se recuperou, pediu para chamar o cartorário e fazer o testamento. E um memorialista, amigo dele, que também era advogado, relatou que no dia de fazer o testamento alguém chega na janela e chama o cartorário. Quando ele voltou, disse que teria que suspender porque precisava de mais testemunhas, mas nunca voltou. Dois ou três dias depois, Agostinho teve um segundo AVC e morreu. Sem testamento e sem herdeiros, os bens eram do Estado. Só que houve uma apropriação de todos os bens dele. Dinheiro, medalhas, roupas, objetos, esse memorialista conta que ele foi sepultado como um mendigo. E de uma hora para outra, o cartorário e sua família ficaram ricos. Essa figura ainda não foi biografada.
DIARINHO – Quais desafios o senhor acredita que a área da educação tem diante de um mundo em constante transformação, marcado pelo uso de ferramentas tecnológicas?
Edison: Eu tenho uma visão da educação bem ampla, já que comecei na época do quadro negro. Eu penso que, à medida que a tecnologia trouxe novidades, facilitando o aprendizado e estimulando o professor a pesquisar e o estudante a buscar conhecimento, o relacionamento dentro da escola perdeu qualidade. As escolas não são mais ambientes tranquilos para ensinar. Não que antes não houvesse choque de visões, mas não como hoje, em que a escola é um local em que a violência está presente, o tóxico, a falta de respeito. O estudante não vê mais diferença entre ele, que é o aprendiz, e o professor, que é o mestre, e é preciso ter esta distinção. Não é para o professor ser autoritário, mas quem ensina precisa ter autoridade sobre o aprendiz, que precisa estar aberto para que a aprendizagem aconteça.
O celular é importante no processo de ensino-aprendizagem, já que favorece a pesquisa. O problema é que a escola não tem conseguido estabelecer limites. Hoje, muitos pais não têm clareza da importância de dar limites e quando a escola dá limites, a família reclama. Não é necessário ficar 24h plugado nos pais. Não dá tempo de chamar o pai para conversar, buscar solução através do diálogo. Até na educação infantil já tem criança com celular. Sem limite e sem regras, um celular na mão de uma criança é antieducativo e até perigoso.
DIARINHO - O senhor foi um dos fundadores do museu. Como foi resgatar a nossa história?
Edison: Em 1982, a Fundação Genésio Miranda Lins, que na época mantinha o museu e depois criou o Arquivo Público e o Museu Arqueológico no bairro Itaipava, me chamou. João Amaral Pereira era um colecionador amante da História e do Patrimônio Histórico. Ele estava doente e precisou se afastar, aí eu fiquei em seu lugar. E depois, infelizmente, ele veio a falecer. Era um cargo de responsabilidade, mas sem remuneração, por isso continuei como professor da Univali, pois precisava manter a família. E aí dentro do museu, do arquivo, passei a pesquisar, para mim foi um sonho! Fiquei 14 anos à frente do Museu e do Arquivo Histórico. Em 1985, começamos, modestamente, a organizar o arquivo histórico. Eu lembro que certa vez, quando o museu ficava no térreo da câmara de vereadores, um vereador disse para a recepcionista para eu encaixotar as coisas porque a câmara precisava daquele espaço.
Ela ficou toda apavorada, mas eu disse que não iríamos sair dali porque, assim como a câmara, estávamos respaldados pela lei. Só outra lei nos tiraria dali e ele não teria coragem de propor isso. Na época, se achava que eram apenas coisinhas velhas que o Edison estava expondo.
Com o passar do tempo, se deu conta que é um lugar de memória, um referencial importante da cidade. Para o estudante, para o visitante, para o poder público. Quantas vezes vieram em busca de informação, de documentos! E vieram principalmente professores com seus alunos, que descobriram que tinha coisa interessante e repassaram às famílias, fazendo com que a população entendesse a importância daquelas instituições, que hoje estão consolidadas. E a demanda pelo arquivo era tamanha que eu tive que fazer uma especialização na USP, de arquivista. O museu se organiza por peças, por temas, o arquivo é de acordo com os documentos que são produzidos. Foi um grande aprendizado, muita satisfação e uma luta gloriosa.
DIARINHO - O senhor se posicionou recentemente sobre a modificação da avenida Marcos Konder e a quase mudança do nome da praça dos Correios. Como o senhor avalia essas duas obras que impactam o dia a dia de Itajaí?
Edison: Em relação à Marcos Konder, não vejo essa obra como necessária. Existem tantas outras demandas, necessárias e urgentes, que não se entende por que gastar R$ 50 milhões na avenida para ela ficar com as mesmas quatro pistas que tem hoje. Drenagem, iluminação, tudo isso podia ser melhorado sem deixar a avenida de ponta-cabeça. E uma coisa que me desagrada é que, quando se faz uma reforma urbana ou se autoriza a construção de prédios, sacrificam-se árvores. Dezenas de árvores frondosas e verdejantes, por que não podem ficar onde estão?! Que se substitua as que estão doentes. “Mas vamos replantar”. Só que, quando a árvore cresce, corta-se para fazer mais uma pista. E sabe o que me contaram? Que não dá para plantar na calçada porque quando crescerem vão se chocar com a fiação elétrica e telefônica. Então, não tem como ser a favor. Em relação à praça dos Correios, eu fico satisfeito em falar, porque foi a partir dos meus escritos que o município pôde requerer aquela área. A área já era do município, mas em 1940, quando os Correios quiseram fazer uma sede, o município a cedeu. Depois, quando não quiseram mais, foi abandonada. Nem vigia puseram, o prédio foi depredado, ficou horrível.
Nesse meio tempo, o município pediu a posse do terreno na Justiça, já que não estava mais sendo usado com o objetivo que foi requerido. E o município cometeu aquele crime patrimonial que foi demolir o prédio e está pagando aluguéis caríssimos em vários prédios de Itajaí, sendo que havia ali um prédio que poderia ter sido restaurado e utilizado. E aí entrou a vereadora mobilizando a população para utilizar o local de forma pública. Pela ideia da praça, eu a parabenizo. Não houve consenso na câmara em relação a nomes, então se estabeleceu “Praça dos Correios”. Eu não gostei porque fiquei com ojeriza dos Correios pelo que fizeram com o prédio, pelo desrespeito para com a cidade, não mereciam a homenagem. Depois fui envolvido, indevidamente, numa demanda de amigos do Antônio Carlos Konder Reis, que buscaram um vereador para trocar o nome da praça. Eu penso que não era o momento de envolver o nome de um filho tão ilustre numa polêmica daquela. Fui procurado porque queriam que eu escrevesse a biografia dele.
Fotos: Arquivo pessoal e Ana Zigart